Os eventos e indicadores econômicos das últimas semanas reforçaram nossas preocupações e perspectivas.
O Produto Interno Bruto do Reino Unido em 2018 foi o menor desde 2012. A produção industrial na Zona do Euro também afundou em 2018. A Itália já se encontra sob recessão técnica. A China continua em trajetória de desaceleração, lançando mão de políticas para manter o crescimento.
E os Estados Unidos continuam com dificuldades políticas para definir seu orçamento em meio ao recorde histórico de sua dívida: US$ 22 trilhões!
Aqui no Brasil, instaurou-se o reino do otimismo. A bolsa segue em patamares bastante elevados, flertando com os 100 mil pontos. O dólar, oscilando na casa dos R$ 3,60 e R$ 3,70, parece querer ceder ainda mais. E a confiança de empresários, investidores e consumidores se alavanca.
Mas os dados econômicos brasileiros seguem sem tração. Tudo aponta para uma recessão global ainda este ano.
A saga da previdência
A reforma da previdência se tornou a “bala de prata” da economia brasileira. Para muitos economista e analistas, a reforma vem para salvar a infraestrutura e as políticas públicas brasileiras.
Há um certo exagero nisto. O próprio Ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista para a Bloomberg no final de janeiro, destacou que sob a ótica da máquina pública, a previdência é um de seus “capítulos”.
Para resolver o problema brasileiro, é preciso avançar em outras frentes, como a reforma tributária, por exemplo. Não obstante, boa parte do otimismo vindo do mercado e de investidores se justifica pelas oportunidades que se abrem com a reforma.
Uma das mudanças propostas, por exemplo, é do regime de repartição para o regime de capitalização. Em outras palavras, em vez de os trabalhadores na ativa “bancarem” os aposentados (regime de repartição), cada trabalhador teria sua própria poupança. Neste formato, portanto, não é uma “poupança coletiva”, mas uma “poupança individual”.
E, de fato, o déficit da previdência é enorme, como apontam diversos levantamentos, Portanto, não há o que argumentar. A reforma é necessária. Ninguém com o mínimo de conhecimento das contas públicas (e algum bom senso) negará esta questão.
Mas o problema da máquina pública brasileira é muito maior. O Brasil entrou na maior recessão de sua história em 2014, especialmente por conta de dois fatores:
- Famílias e empresas estavam altamente endividadas;
- a arrecadação do governo começou a cair fortemente.
Isso colocou as finanças públicas em foco e, mais ainda, evidenciou a correlação entre atividade econômica e arrecadação. Herança da Constituição de 1988 e a obrigatoriedade de alguns gastos.
Por conta desta correlação, uma reforma tributária que diminua a cobrança de imposto sobre o consumo e incida mais sobre a renda e patrimônio é fundamental para dar continuidade no ajuste das contas públicas. E, aí sim, garantir que o Brasil não vai “quebrar’.
Cabe destacar que, mesmo no melhor dos cenários, em que a reforma da previdência seja aprovada, as contas públicas só se estarão equilibradas efetivamente em 2023. Portanto, ainda há muita água para passar embaixo da ponte.
Movimentos da Economia
Para além destas questões, no campo da política, a maior parte dos analistas está dando como certa uma recessão global ainda este ano. Há tempos temos falado disto. No final de 2018, os dados ficaram evidentes, como exploramos aqui e aqui.
Do exterior, basicamente nossa preocupação gira em torno de três eixos:
- Sustentabilidade do crescimento econômico dos Estados Unidos;
- Dificuldades em retomar a demanda na Europa;
- Desaceleração da economia chinesa.
Sobre a China, nossa análise é contundente há algum tempo. Uma desaceleração mais forte da China pode colocar o mundo em uma crise de proporções bastante alarmantes. O governo chinês tem entrado com ações de política fiscal e monetária para tentar sustentar o crescimento do gigante asiático. O que nos resta nesse quesito, é esperar a divulgação dos próximos indicadores.
Contudo, EUA e Europa já são casos dados como certo. Os índices de gerentes de compras (PMI) desses países já estão à beira da retração econômica. O PMI é um índice que avalia o desempenho das atividades das empresas nas regiões em questão. É um índice levado em consideração internacionalmente, pois se trata de uma aproximação bastante fidedigna da atividade econômica.
Na Europa, as ameaças vêm de todos os lados. Itália já se encontra em recessão técnica. os últimos dois trimestres de 2018 registraram retração econômica. No último trimestre, a Alemanha, que possui o maior parque industrial do bloco europeu, também registrou deterioração.
Nos Estados Unidos, o PIB tem retraído sistematicamente. A economia estadunidense registrou nos últimos trimestres índices menores de crescimento. E a tendência permanece. As empresa, por exemplo, declararam expectativas pessimistas para o início de 2019.
No semestre passado, as expectativas deram de resultados 6% maiores no 1º trimestre deste ano. Desde janeiro, contudo, as expectativas se reverteram e as empresas estadunidenses esperam retração de seus resultados.
Por fim, aqui no Brasil, seguimos engatinhando. O dado das vendas do varejo, divulgados no dia 13 de fevereiro, revelaram recuo de 2,2% na passagem do mês de novembro de 2018 para dezembro de 2018.
A maioria dos segmentos que compõem o varejo brasileiro apresentaram baixa, ficando o recuo a cargo de 5 das 8 atividades pesquisadas do varejo restrito, em comparação ao mês anterior. Vale lembrar que estas atividades haviam registrado robustos ganhos na leitura anterior, estimuladas pelas ofertas da Black Friday, mas que claramente foram revertidas no final do ano.
Esperava-se alguma recuperação no ritmo de expansão do varejo durante o último trimestre, em especial por englobar um período de sazonalidade positiva. No entanto, a eficácia e a popularidade da Black Friday de novembro parecem ter antecipado importante volume de vendas do período de festas, frustrando as expectativas daqueles que esperavam um efeito complementar desta data.
O varejo segue com fortes restrições à sua expansão, principalmente por conta da baixa qualidade na retomada do emprego, e os ainda elevados spreads na concessão de crédito.
Reflexos no Câmbio
Assim sendo, como temos destacado em nossas análises, os dados da economia nacional continuam decepcionando, mas fortalecendo o Real. As tendências, contudo, não se revelam sustentáveis.
Sob a ótica do câmbio, há bastante volatilidade, embora predomine um ambiente de otimismo ancorado na expectativa de melhora. Essas expectativas sustentam alguma apreciação cambial no curto prazo.
Não há, desde o início do ano, fluxo cambial estrangeiro expressivo. Neste momento, o Brasil é observado pelos investidores estrangeiros e mostram-se retraídos em relação ao país. Continua no nosso radar, a desaceleração da economia estadunidense associada a uma crise na União Europeia.
Assim, continuamos acreditando que no atual contexto, o dólar continuará oscilando na casa dos R$ 3,70, até que surjam fatores mais efetivos que possam dar suporte sustentável a movimentos contrários.
A questão central é que, com um clima de otimismo infundado no Brasil, pode ser que a recessão global nos pegue na “calça curta”. Se esse cenário se confirmar, o baque pode ser grande.
Seguimos de olho.
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.