Visão Geral
Tinha de tudo para ser apenas mais uma semana cujas preocupações estivessem voltadas para o controle da pandemia e os consequentes desdobramentos sobre a economia, mas quase 20 anos após a invasão norte-americana, o Afeganistão voltou a ganhar as manchetes dos jornais.
Nem o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, imaginava a rapidez com que o Talebã tomaria o poder das mãos do governo local para comandar o país após duas décadas.
O evento é importante, mas tentaremos manter as emoções de lado para trazer uma análise factível que nos interesse do ponto de vista do comportamento do dólar em relação às demais moedas.
Acompanhe!
Histórico contemporâneo de conflitos armados
Para entender um pouco mais os conflitos que envolvem a região, quase sempre com a presença direta ou indireta dos Estados Unidos, vamos começar pelo fim, ou de perto dele.
A terceira guerra mundial
Talvez você não se lembre do que aconteceu no dia 3 de janeiro de 2020, mas antes do mundo estar às voltas com a pademia, o assassinato de um importante membro do exército iraniano, Qasem Soleimani, colocou a hashtag que fazia menção a uma terceira guerra mundial entre os assuntos mais falados no mundo.
Na ocasião, os Estados Unidos abateram o Major das forças revolucionárias iranianas por meio de um ataque feito por drones.
O Irã prometeu vingança contra os norte-americanos, mas apesar de alguns bombardeios de bases americanas na região, até aqui, esse foi o maior produto bélico do ataque de 3 de janeiro.
É evidente que um revide mais destruidor pode estar sendo engendrado por grupos locais, tal como aconteceu com os ataques de 11 de setembro de 2001, que resultou na queda das Torres Gêmeas em Nova Iorque, destruição parcial do Pentágono, além de quase 3 mil vidas perdidas nos ataques.
A formação da Al Qaeda
Depois de algum tempo, a Al Qaeda, grupo extremista cujo nascimento remonta ao final da década de 1980, no bojo da invasão soviética ao Afeganistão, em 1979, reivindicou a autoria dos ataques.
Em 1988 extremistas armados uniram-se para combater o exército comunista e por mais irônico que isso possa parecer em 2021, naquele momento tinham amplo apoio dos Estados Unidos.
Osama Bin Laden
O saudita Osama Bin Laden, líder do grupo, viajou ao Afeganistão com recursos enviados pela CIA (Central Intelligence Agency) e pela Arábia Saudita na guerra contra o exército vermelho.
Depois disso, os Estados Unidos entraram na lista de inimigos de Bin Laden em função das ingerências dos americanos em solo saudita, além da política externa dos americanos em relação ao fortalecimento do Estado israelense e dos consequentes ataques aos muçulmanos locais.
Invasão americana
Em resposta aos ataques de setembro de 2001, os Estados Unidos criaram programas de combate ao terrorismo que ficou conhecido como Guerra ao Terror.
Entre as ações desta nova guerra estava a invasão do território afegão, à revelia da Organização das Nações Unidas, no início de outubro de 2001.
Segundo os próprios americanos, a intenção do governo George W. Bush (2001-2008) era capturar Bin Laden e derrubar o Talebã, que detinha o controle de ao menos 75% do território afegão à época e demonstrava apoio a Osama.
Vinte anos depois, com resultados altamente questionáveis, e seguindo uma decisão do presidente republicano, Donald Trump, Joe Biden retira as tropas americanas do país em uma manobra que pode ser classificada como desastrosa, tal como a chegada das tropas, há aproximadamente 20 anos.
Velhos e novos interesses geopolíticos
Se um dos principais interesses dos Estados Unidos nas duas primeiras décadas dos anos 2000 era o volume de recursos energéticos presente no Oriente Médio, a mudança na matriz energética global e o intenso aumento da produção de petróleo em solo norte-americano nos últimos anos, têm contribuído para a mudança de interesses na região.
O Afeganistão tem uma fronteira diminuta com a China, são cerca de 75Km encravados em uma das maiores cordilheiras do mundo. E a exemplo do Iraque, tem uma longa fronteira com o Irã, país com população de maioria xiita, cujas diferenças com o principal aliado norte-americano no Oriente Médio, a Arábia Saudita, podem se traduzir em conflitos bélicos.
Estar presente na região passou a ser indispensável para os Estados Unidos depois que a China passou a ser um eminente rival nas questões geográficas e econômicas locais.
Em termos nominais, a China é a segunda maior economia do mundo e quer promover uma importante mudança na estrutura produtiva local com a criação do que tem sido chamado como a Nova Rota da Seda.
O projeto chinês consiste em ligar a China por grandes estradas, ferrovias de alta velocidade e rotas marítimas, aos continentes europeu e africano. Para isso teria que criar condições estruturais em dezenas de países asiáticos e africanos com os quais a China tem estreitado relações nas últimas décadas.
Coincidentemente, o Afeganistão não estaria diretamente contemplado com a iniciativa chinesa, diferentemente de todos os países com os quais ele faz fronteira.
De forma análoga ao que se tem produzido em matéria de relações comerciais, é de interesse dos Estados Unidos disputar cada um dos apoios que a China vem conquistando no âmbito da construção deste projeto.
O que muda para o dólar? (387)
Ambiente externo
Em uma investida relativamente surpreendente, o Talebã ganhou territórios importantes dentro Afeganistão e, muito mais rápido do que se esperava, pelo menos por parte do presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, tomaram também a capital do país, Cabul, no último dia 15.
Entre os dias 15 e 17 o índice do dólar, DXY, que faz uma métrica do comportamento do dólar em relação a algumas moedas de países desenvolvidos, avançou cerca de 0,7%, ou seja, em dois dias a moeda americana avançou marginalmente sobre esta cesta de moedas. Patamar relativamente estável.
No entanto, apesar da relevância dos acontecimentos, neste momento pesam muito mais sobre o valor do dólar, o aumento do número de casos de Covid-19 nos próprios Estados Unidos.
Há um mês, no dia 16 de julho, a média móvel de casos registrados em sete dias havia sido de 30.901. No dia 16 de agosto, essa média elevou-se para surpreendentes 141.365. No dia 16 de agosto foram registrados 252.369 casos de Covid-19 no país, maior patamar desde o dia 8 de janeiro deste ano.
O avanço dos casos entre vacinados e não-vacinados poderá exigir novas – e necessárias – medidas de distanciamento social, colocando em xeque o processo de recuperação da economia global.
Até mesmo Israel, onde o percentual da população total vacinada alcança os 80%, está avaliando medidas restritivas para tentar conter o avanço da cepa indiana pelo país.
Situação doméstica
No Brasil, além da pandemia existe uma situação política bastante delicada, o que nos confere ainda mais volatilidade quando o assunto é câmbio.
As tentativas de flexibilização do orçamento para fazer caber nas dotações orçamentárias para 2022 o novo Bolsa Família, chamado de Auxílio Brasil, tem trazido temor ao mercado financeiro.
O temor do mercado está ligado a uma eventual perda dos compromissos que estão ligados à responsabilidade fiscal como, por exemplo, a tentativa de institucionalizar as pedaladas fiscais, postergando obrigações da União para com empresas, entes subnacionais e cidadãos.
Essa institucionalização seria uma forma de subverter o chamado teto de gastos, que congelou os gastos da União por 20 anos.
Como se não bastasse, discute-se incansavelmente pautas que envolvem ameaças à democracia brasileira, como um eventual adiamento do pleito eleitoral do ano que vem caso não haja uma mudança na forma como são computados os votos no país.
Conclusão
A chegada do Talebã ao poder após vinte anos de invasão americana no país é, de fato, um acontecimento importante e pode, com o tempo e a depender dos desdobramentos deste acontecimento, impactar os mercados de câmbio e financeiro globais.
No entanto, quando falamos de variáveis que afetam a cotação da nossa moeda, o novo avanço dos casos de Covid-19 nos Estados Unidos e em alguns países da Europa ainda são mais relevantes que os acontecimentos geopolíticos na Ásia.
Soma-se a esse turbilhão de coisas, o crônico desgaste do ambiente político brasileiro. Neste momento, o maior contribuinte para a desvalorização da moeda brasileira vista nos últimos dias.
O pior é que essa “tempestade” doméstica parece estar muito longe do fim.
Veremos.