Caminhos e descaminhos da Selic

Visão Geral

Primeiro, o banco central foi acusado de diminuir demais a taxa básica de juros quando a colocou em 2% ao ano, agora, com a expectativa de que os juros alcancem 11,75%, já existem muitos economistas que falam em exagero no controle de uma inflação que nem é de demanda.

Afinal de contas, quais foram os erros e os acertos do Banco Central do Brasil na condução da política monetária atual e por que isso gera tanto debate?

Acompanhe nossa análise a seguir.

Pistas da última ata

Na última vez em que o Comitê de Política Monetária se reuniu, nos dias 7 e 8 de dezembro de 2021, a decisão de aumentar a taxa básica de juros em 1,5% se baseava em um ambiente externo menos favorável do que havia sido em boa parte de 2021.

Acossadas pelo aumento dos preços de energia e pelo comprometimento das cadeias globais de suprimentos, as economias desenvolvidas se viram diante de aumentos de preços que não eram registrados há cerca de 40 anos. Nos Estados Unidos, os 7% de inflação registrados no ano passado foram os mais elevados desde 1982 e na Europa, não existem registros de inflação mais elevada que os 5% de 2021.

Além da inflação, os riscos de uma crise sistêmica produzida pelo setor imobiliário chinês deixou o mundo em alerta máximo, quando a Evergrande, a maior construtora do país asiático anunciou um plano de ação para reestruturar a sua dívida.

Em dezembro, os problemas com a inflação e o setor de construção civil chinês se misturavam à incansável pandemia do novo coronavírus. No final do mês de novembro, estudos realizados na África do Sul identificaram uma nova variante de coronavírus, batizada de Ômicron. A nova cepa trouxe de volta o temor de problemas sanitários e econômicos vistos no início da pandemia, em 2020.

Toda essa conjuntura econômica internacional acabou por comprometer o que havia sobrado de combustível para a economia brasileira que, a exemplo dos demais países subdesenvolvidos, havia se beneficiado da retomada econômica vista na China e nos Estados Unidos.

Com o cenário internacional bem menos favorável, restaria ao Brasil contar com componentes domésticos para manter o ritmo de crescimento econômico, o que não aconteceu, seja pela inflação aguda, pela crise política ou pelos efeitos de ter uma taxa básica de juros muito mais elevada que a média mundial.

Na última reunião do Copom, o banco central brasileiro também mostrou grande preocupação com o quadro fiscal, ao dizer que mudanças nas regras fiscais, fazendo referência aos instrumentos legais que foram criados para burlar o teto de gastos, atentariam contra o controle da inflação.

O que mudou desde então

Nesses quase dois meses da última reunião, o cenário internacional ficou um pouco mais benigno para os países que não têm moedas conversíveis, como é o caso do Brasil.

A inflação na Europa e nos Estados Unidos ainda não deu sinais de que será menos agressiva em 2022, sobretudo neste primeiro trimestre, em que pode pesar os fortes aumentos nos preços do petróleo e do gás natural. Apesar disso, o mundo parece ter se animado com a fala do presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, que afirmou que a economia norte-americana estaria preparada para receber um forte aumento de juros sem que isso traga problemas ao mercado de trabalho local. Ainda que o mercado não espere por um choque na política monetária norte-americana, parece ter sido reconfortante ouvir do presidente do “banco central do mundo” que aumentos nos juros não devem trazer problemas para a atividade econômica.

Do lado da pandemia, apesar do impressionante aumento do número de casos promovidos pela disseminação da Ômicron, as taxas de mortalidade e de internações parecem endossar os estudos que indicavam que a cepa dominante é menos letal que a Delta. 

A possibilidade de a Ômicron contribuir com um eventual “término da pandemia” também tem atuado positivamente sobre os mercados, diminuindo a pressão sobre o mercado de capitais e de câmbio. Não à toa, a moeda brasileira foi uma das divisas que mais se valorizou no mês de janeiro.

Na China, o problema com a Evergrande, a Kaisa, a Fantasia, além de diversas outras grandes construtoras locais, parece estar longe do fim, mas o controle inflacionário tem permitido que o Banco Popular da China (PBoC) adote uma política monetária mais frouxa, dando liquidez às empresas que estão com dificuldades em saldar suas dívidas.  A diminuição dos juros também deve atender às demais empresas de outros setores que, sem a ajuda do governo, poderiam enfrentar problemas decorrentes do desmoronamento do setor imobiliário chinês.

O que ainda não parece ter sido contaminado com esse relativo clima de otimismo internacional, é a economia brasileira. Indicadores oficiais mostram que nossos principais setores produtivos apresentaram um desempenho medíocre no quarto trimestre do ano passado, além de ainda contarmos com um risco elevado de desancoragem das expectativas de inflação.

Agora, a disputa entre a Rússia e membros da OTAN podem tornar a conjuntura econômica menos amigável para a economia nacional.

Erros e acertos do Copom

Quando falamos das recentes decisões do Banco Central do Brasil no que tange o enfrentamento da pandemia, a primeira discussão que vem à mesa é a profundidade da política monetária adotada entre 2020 e 2021. Afinal, colocar a taxa de juros em 2% ao ano foi um exagero da nossa autoridade monetária? Acredito que não!

Me lembro bem de quando os primeiros impactos da pandemia sobre a economia chegaram. Os bancos centrais anteciparam seus calendários de reuniões e promoveram ampla redução das taxas de juros, além de injetar uma coluna de recursos para garantir liquidez ao sistema financeiro global.

E o que fez o banco central brasileiro? Cortou, em fevereiro de 2020, a taxa Selic de 4,50% para 4,25%, um movimento tímido demais para a gravidade da situação. Foi como abrir um guarda-chuva para se proteger  de um forte furacão. Em março daquele ano, um novo corte de 0,5% na taxa básica de juros e o anúncio de um conjunto de medidas que poderia injetar até R$1,2 trilhão na economia brasileira, parecia muito mais condizente com a conjuntura.

Se não adianta diminuir os juros em um momento em que os empresários estão, justificadamente amedrontados, a redução da Selic evitou gastos extras com juros da dívida pública e atuou indiretamente na diminuição do ritmo de aumento do endividamento do governo.

Outra acalorada discussão sobre a atuação do Bacen, é a tentativa de controle da inflação por meio do aumento da Selic.

Desde o início, sabíamos que os aumentos dos preços vistos a partir da metade do ano passado haviam sido influenciados por fatores cuja taxa de juros tem pouco ou nenhum controle. A crise hídrica, os gargalos nas cadeias de suprimentos, a desvalorização do câmbio e eventos climáticos adversos não seriam alterados por uma política monetária restritiva, mas o Bacen optou por subir apressadamente a taxa básica de juros do país.

Na leitura dos membros do Copom, um forte aumento dos juros mostraria que a autoridade monetária brasileira não seria condescendente com uma inflação acima de meta e, com isso, a alta da Selic ajudaria a dissipar os movimentos de inércia, ou seja, quando a inflação passa a subir justamente porque já está alta demais.

Apesar de todas as discussões, uma coisa é certa: caso se confirme essa tendência de diminuição da inflação para 2022, uma taxa básica de juros em 10,75% para tentar conter a inércia inflacionária, e inflação de oferta ainda parecem um exagero do Banco Central do Brasil.

Impactos no câmbio

Ainda que seja tentador associar a valorização cambial de janeiro com o aumento dos juros no Brasil, esse não parece ser o melhor caminho.

É verdade que os títulos públicos estão remunerando bem mais os investimentos dos que estavam há um ano e isso, pode ter algum impacto nos fluxos de capital estrangeiro para o país, mas está muito longe de ser só isso.

Como já foi dito, a fala do presidente do banco central norte-americano trouxe algum conforto ao mercado, além disso, a expectativa de que a pandemia pode estar próxima do fim, trouxe mais apetite pelo risco.

Com os investidores mais seguros, o Brasil transformou-se em uma grande oportunidade de lucro, já a nossa incapacidade de “conter” a pandemia fez o preço dos nossos ativos simplesmente derreter.

Começamos o ano com boas expectativas para o câmbio, mas por ser ano eleitoral e por termos novas tentativas de manobras fiscais, ainda não podemos cravar que este é um movimento duradouro.

Seguimos de olho.

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