Qual o perfil do investimento estrangeiro direto atraído para o Brasil em 2019? André Galhardo mostra que há uma elevada participação do reinvestimento de multinacionais no valor anunciado, e qual o impacto disto para a economia.
O presidente brasileiro comemorou o volume de ingressos de recursos estrangeiros sob forma de investimento direto no país em 2019. Segundo o Banco Central do Brasil, o país recebeu US$ 69,1 bilhões entre janeiro e novembro do ano passado e, segundo a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), o país recebeu US$ 75 bilhões em investimento estrangeiro direto no ano passado, alcançando a quarta posição entre os maiores recebedores desse tipo de capital.
Os números comemorados pelo governo são realmente bons? Qual o impacto do ingresso destes recursos para a economia nacional? Temos mesmo que comemorar?
Acompanhe!
O investimento estrangeiro realmente indica melhora da economia?
A primeira coisa que temos que verificar é se o volume de recursos apontado pelo Banco Central e pela ONU são, de fato, um indicador de que as coisas estão melhorando para a nossa economia.
Bem, de janeiro a novembro de 2019 o Brasil recebeu pouco mais de US$ 69,1 bilhões. O volume de recursos ficou abaixo dos US$ 72 bilhões do mesmo período de 2018. A propósito, no mesmo período dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 os recursos foram superiores aos vistos no ano passado.
Em 2011, pouco mais de US$ 94,5 bilhões deste tipo de recurso haviam entrado no país. Se os valores da ONU ‘fecharem’ com os valores do Banco Central, o volume de recursos de 2018 terá sido maior que o de 2019, portanto, já tivemos anos melhores, inclusive aqueles em que imperou a instabilidade política como em 2014 e 2018.
Qual o perfil do investimento estrangeiro captado em 2019?
De modo bastante sucinto, mas não insuficiente, o investimento direto estrangeiro é o recurso que entra no país para adquirir um capital produtivo, ou seja, quando estrangeiros decidem comprar uma empresa já estabelecida no país, algum tipo de maquinário, instalação, ferramentas, enfim, todo investimento que não estiver ligado a área financeira.
Portanto, quando falamos em investimento direto estamos falando em recursos que têm o potencial de gerar empregos e mudar a condição de um país. Deixaremos questões de dependência do capital externo para outra oportunidade, por ora, assumiremos que o capital produtivo é imune a críticas, e de fato, é muito melhor que o capital especulativo.
Ocorre que, por uma questão contábil, as empresas estrangeiras domiciliadas no Brasil que resolvem reinvestir seus lucros por aqui estão majorando a conta de investimento direto no país, o IDP.
Ou seja, uma empresa estrangeira lucrativa que decide expandir suas operações em solo brasileiro, e para isso faz uso do lucro obtido pela sua filial do Brasil, esses recursos são contabilizados como investimento estrangeiro.
De janeiro a novembro de 2019 a participação deste tipo de recurso no investimento estrangeiro total foi de 37%, maior percentual da série histórica disponível no Banco Central.
Lembra daqueles US$ 69,1 bilhões que ingressaram no Brasil de janeiro a novembro de 2019? Pois bem, USD 28,8 bilhões não vieram do exterior, trata-se de reinvestimento de lucro no país.
Não há mal nenhum nisso, se as empresas estão reinvestindo seus lucros no país, significa que confiam no futuro e apostam suas fichas na economia brasileira.
O que pretendo afastar aqui é a ideia de que o mundo vê o Brasil com olhos muito diferentes daqueles que viam em 2018, por exemplo.
Além disso, com um risco iminente de crise nos Estados Unidos, com a desaceleração da economia chinesa, com o Oriente Médio em crise constante e a maioria dos países da América Latina com recentes convulsões sociais, sobraram poucos solos férteis para a multiplicação do capital estrangeiro. Pela expectativa de mudança e por razões cíclicas, o Brasil parece um lugar confortável para o capital estrangeiro.
Quais são os setores procurados?
Segundo o Banco Central os setores mais procurados pelos investidores estrangeiros são: setor de serviços financeiros com 19% do total do investimento, eletricidade e gás com 7%, bebidas 7%, comércio atacadista 6%, extração de petróleo e gás 5%. Todos os números do investimento por setor são referentes a 2018, relatório de investimento direto mais atual do Bacen.
Portanto, alguns setores recebedores do dinheiro estrangeiro ou que fazem uso de recursos reinvestidos no Brasil, têm menos potencial de geração de empregos. Ainda que o investimento seja produtivo, a forma com que esse investimento atua no mercado de trabalho nacional é muito relativa.
A importância do IDP
É importante também ser justo sobre a importância dos recursos que entram no Brasil sob forma de investimento direto no país.
Sem ele o Brasil não conseguiria financiar os crônicos e cadas vez maiores – nos últimos meses – déficits na balança de transacções correntes.
De janeiro a novembro de 2019 o Brasil acumulou um déficit de aproximadamente USD 45 bilhões na conta de transações correntes. O déficit deste período de 2019 é 27% maior que o déficit registrado no mesmo período de 2018.
Se é déficit, e nós não temos uma impressora de dólares, o jeito é usar de outras contas ou gastar das reservas internacionais. Como o Brasil tem apresentado sucessivos superávits na conta financeira – que envolve os IDPs e os investimentos em ativos financeiros – a conta total tem fechado e, na maioria das vezes, o país tem conseguido acumular recursos estrangeiros.
Sem o ingresso de capital produtivo ou de ativos financeiros o país já estaria envoltos às crises de estrangulamento externo, tal como foi até o começo deste século.
Perspectivas
O déficit em conta corrente tende a ficar cada vez mais pronunciado à medida em que a economia brasileira volta a crescer com mais força.
Esse não seria um elemento estranho, ademais, em quase toda a nossa história a conta corrente foi deficitária, a despeito dos importantes superávits comerciais construídos nas décadas de 1980, 2000 e agora nos últimos quatro anos.
No entanto, ao somarmos nesta conta: a dificuldade do mundo em crescer, a guerra comercial, o brexit e até mesmo o esforço do governo brasileiro para conter a desvalorização da moeda brasileira vendendo reservas internacionais, a situação fica um pouco diferente.
Por isso é cada vez mais importante o Brasil se preocupar em desenvolver sua própria indústria nacional, se resguardar de um velho inimigo, o estrangulamento externo e, por fim, mas não menos importante, preocupar-se com tudo isso antes de se preocupar em propagar dados que são, antes de tudo dúbios.
Veremos!
André Galhardo é economista-chefe da Análise Econômica Consultoria, professor e coordenador universitário nos cursos de Ciências Econômicas. Mestre em Economia Política pela PUC-SP, possui ampla experiência em análise de conjuntura econômica nacional e internacional, com passagens pelo setor público.