“Problemas à frente”, por André Galhardo

Segundo órgãos de imprensa e o próprio governo, foi visto nos últimos dias um forte aumento dos casos contaminação, internação e mortes em decorrência da covid-19.

O aumento, que pode significar a segundo onda no Brasil, expõe as pessoas ao risco de contágio e morte e o Estado a uma situação fiscal cada vez mais delicada.

A propagação do novo coronavírus, a situação fiscal do governo brasileiro e o câmbio estão intimamente ligados neste momento e, a partir dos últimos números, parece que teremos mais problemas nas próximas semanas.

Acompanhe nossa análise a seguir.

Contágio no Brasil

Segundo dados do consórcio de imprensa o Brasil atingiu a marca de 557 mortes na média móvel de 14 dias. Trata-se do número mais alto em pouco mais de um mês e indica um aumento de 45% em relação à média móvel de 14 dias atrás.

Esse avanço na média móvel de mortes no Brasil, é o mais elevado de toda a série histórica, ou seja, trata-se do maior aumento percentual na comparação entre médias móveis de 14 dias.

Antes mesmo dos números de contaminações e mortes apontarem para a possibilidade de uma segunda onda no país, havia a expectativa na piora das estatísticas em função da ventilação de dados de novas internações diárias, sobretudo no Estado de São Paulo.

A partir destes resultados o governador do Estado de São Paulo divulgou um decreto no Diário Oficial que prorrogou o quarentena até o dia 16 de dezembro.

Apesar de gerar discussões acaloradas, as medidas de restrição vem sendo adotadas na maioria dos países da Europa e alguns estados dos Estados Unidos que vem enfrentando a segunda ou mesmo a terceira onda da doença.

Como este espaço não é utilizado como boletim epidemiológico, vamos criar as conexões necessárias para que você possa entender a ligação entre os novos casos de coronavírus e a cotação da moeda brasileira no mercado de câmbio.

A primeira e mais importante variável neste momento é a situação fiscal do país.

Situação fiscal

Segundo o Banco Central do Brasil, o país fechou o mês de setembro com um déficit fiscal (primário) de R$ 64,6 bilhões.

De janeiro a setembro deste ano, o déficit fiscal acumulado foi de R$ 635,9 bilhões, e no acumulado em 12 meses a conta está negativa em R$ 655,3 bilhões.

O déficit fiscal de 2020 será, de longe, o maior de toda a história do Brasil. E ele reflete a situação econômica que o país vive neste ambiente de pandemia.

Uma parte do impacto fiscal veio da queda de receitas. O Brasil depende muito do setor de serviços, um dos mais atingidos pelas medidas de distanciamento social. O país depende também de impostos indiretos, ligados ao consumo de bens e serviços logo, a paralisação atingiu em cheio o coração da carga tributária regressiva brasileira.

Além do problema com a arrecadação, o Brasil, tal como a maioria dos países que estão enfrentando este problema, acabaram gastando recursos públicos com a finalidade de atenuar a desaceleração da atividade econômica.

Em resumo, as receitas caíram e as despesas subiram forte e rapidamente. Uma combinação que castigou o já combalido cenário fiscal brasileiro.

Dívida pública

Todos esses resultados negativos vêm sendo incorporados ao volume total da dívida brasileira. De janeiro a setembro deste ano o governo consolidado – somam as contas dos governos federal, estaduais, municipais e empresas estatais – só conseguiu realizar um resultado positivo em uma oportunidade, em janeiro.

De lá pra cá, como o governo só fecha as contas no vermelho, a cada novo mês, a cada novo déficit, uma nova dívida é incorporada à dívida pública total.

Em dezembro do ano passado a dívida bruta do governo geral equivalia a 75,8% do PIB. Em setembro deste ano, último dado disponível, a dívida alcançou 90,6%. Como não há nenhuma expectativa de que o governo consiga construir nenhum resultado nos próximos dez anos, de modo geral, pela via fiscal, não haverá diminuição desta dívida.

Existe uma ampla discussão sobre o tipo de dívida que o Brasil vem construindo. Para alguns, como trata-se de dívida em moeda doméstica, ela oferece um menor risco ao país, para outros, no entanto, o quadro fiscal pode se tornar insustentável independentemente do tipo de dívida que estamos construindo.

Como este não é o objetivo deste texto, irei apenas apontar a influência deste problema fiscal para os juros e o câmbio no país.

Impacto no câmbio

Se uma segunda onda atingir o país, novas medidas fiscais precisarão ser tomadas. Esse movimento inclusive foi endossado publicamente pelo próprio Ministro da Economia. Junto a isso, novas medidas de distanciamento social farão com que a arrecadação volte a diminuir de forma sensível.

Nós já sabemos que essa combinação entre queda de receitas e aumento das despesas faz aumentar de forma significativa o nível de endividamento do país.

De modo bastante superficial, é correto dizer que a taxa básica de juros no Brasil é mais alta que nos países desenvolvidos em função de o risco de se investir em títulos públicos brasileiros ser muito maior que em títulos públicos da Alemanha, Reino Unido, Japão ou Estados unidos.

Com taxa Selic em 2% o rendimento de títulos públicos de curto prazo apresentam taxas reais negativas, ou seja, não compensam a desvalorização do dinheiro medido pelos índices de inflação.

A taxa básica de juros está em um nível baixo para padrões brasileiros, e é improvável que Banco Central faça aumentos sensíveis da Selic nas próximas reuniões. 

Ocorre que o quadro fiscal continua se deteriorando e, a despeito das excelentes notícias sobre potenciais vacinas contra o vírus, neste momento a expectativa é de mais problemas nas próximas semanas.

Como a deterioração fiscal tende ser mais rápida que qualquer tentativa do Banco Central aumentar o prêmio de risco no Brasil, mesmo aumentos mais acelerados da Selic podem ser insuficientes para contar uma fuga maciça de dólares do país.

Veremos.

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